Introdução
No ano de 2005 escrevi um artigo para a Folha de Alphaville (Brasil: Política Monetária ou Política Econômica?) que tinha a seguinte conclusão: “é isso que deve ser imediatamente discutido. A falta de investimentos por um período tão grande pelo qual está passando o Brasil somente agravará sua situação no futuro, pois já terá comprometido toda uma geração de pessoas, visto que não poderão, em face das carências passadas e atuais, exercerem seus papéis como cidadãos, em seu conceito mais amplo: educado, politizado, solidário, com saúde, moradia, trabalho e consciente de seus direitos e deveres. Além do que, a falta de investimentos em infraestrutura contribuirá para o altíssimo custo e pela baixa produtividade da produção e da economia como um todo”.
Infelizmente, de lá para cá, muito pouco se fez e as consequências são claramente percebidas. São fartos e concretos os dados que demonstram os maus resultados do modelo econômico adotado pelo governo nos últimos anos. Crescimento econômico pífio, inclusive quando comparado com países latino-americanos.
O PIB, que já vinha experimentando taxas de variações inconstantes e muito baixas e com tendência declinante desde 2007, chegou à estagnação em 2014. E da estagnação do último ano, quando o PIB cresceu apenas 0,1%, deveremos ir, lamentavelmente, para uma recessão em 2015, posto que, já há algum tempo, também os níveis de investimentos são menores do que deveriam ser. Além do que as condições políticas (Congresso x Executivo e Operação Lava Jato, por exemplo) cada vez piores, contribuem para cenários mais e mais desalentadores.
Portanto, o enfraquecimento da indústria brasileira (após vários anos em baixa, caiu 3,8% somente no último ano e deverá continuar operando com produtividade reduzida nos próximos anos), as crises de água e energia, uma precaríssima infraestrutura e o desestímulo ao investimento produtivo, são apenas alguns dos sintomas. Sem falar, é claro, dos problemas com saúde, educação, mobilidade urbana, segurança e corrupção.
O setor industrial, que tem papel fundamental na geração de empregos de melhor qualidade, na modernização da economia e no desenvolvimento tecnológico, foi o segmento da economia brasileira no qual o impacto da falta de investimentos mais se fez presente. Como comentado por Celso Ming no Estadão de 28.03.2015: “a indústria está envelhecida, excessivamente protegida e com dirigentes que aplaudem a distribuição de analgésicos e não se dispõem a submeter seus negócios a tratamentos mais eficazes – e mais dolorosos”.
Segundo dados do IBGE, os investimentos na Formação Bruta de Capital Fixo, necessários para o crescimento de qualquer economia do mundo, no Brasil, entre 2001 a 2013 tiveram um crescimento médio de 1,52% a.a., o que é muito pouco! Em 2001, a FBCF representava 17% do PIB, em 2011 alcançou 19,4% e em 2013, foi de 17,8%. Em 2014, uma pequena catástrofe, com apenas 15,8% do PIB.
Números ruins e com tendências de piora, principalmente quando analisamos as indiscutíveis e urgentes necessidades de se recuperar as finanças públicas e de se combater a inflação. A diminuição dos gastos do governo, o aumento de alguns impostos e das taxas de juros, são medidas que, por si só, desestimularão ainda mais os investimentos produtivos, com impactos imediatos na geração de renda e de emprego.
Embora a ‘conta consumo’ possa ter contribuído muito, sempre que houve crescimento na economia brasileira, o item investimento desempenhou o papel principal, pelo menos entre 2003 e 2010. Já a partir de 2011, o investimento foi menor que o consumo, segundo dados do IBGE. Mas o consumo familiar, a partir de 2012, mostrou-se sem as condições anteriores e iniciou sua caminhada declinante, se o considerarmos como uma alternativa para o crescimento da economia. Portanto, o Brasil poderia (ou deveria), desde sempre, ter investido muito mais!
Ora, se os investimentos, de uma forma geral, estão em queda, também é de se esperar que os investimentos em infraestrutura estejam em declínio. É o que nos mostram os dados indicados a seguir, extraídos dos estudos feitos pela Inter B. Consultoria Internacional de Negócios (divulgado no Jornal Valor Econômico em março de 2013) e por Armando Castelar e Claudio Frischtak (Gargalos e Soluções na Infraestrutura de Transportes – Editora FGV – 2014).
Nesses estudos, quando são analisados quatro dos principais itens que compõem a infraestrutura de um país (eletricidade, telecomunicações, transporte e saneamento), percebe-se claramente o quanto o Brasil tem deixado de investir o mínimo necessário nos últimos 20 anos. A queda é substancial quando comparado com outros períodos.
Fontes: Inter B. Consultoria – Março de 2013; “Gargalos e Soluções na Infraestrutura de Transportes” – A.Castelar e C. Frischtak – Editora FGV – 2014.
Ainda, com base nos estudos da Inter B. Consultoria (Carta de Infraestrutura de Setembro de 2014), “em 2013 o Brasil investiu 2,45% do PIB em infraestrutura e em 2014 projetamos 2,54% (tendo por referência um PIB nominal de R$ 5.135 bilhões, embutido um aumento real de 0,5% e um deflator implícito de 6%)”. O estudo conclui que “se entre 2012 e 2013 os investimentos se expandiram em 0,06% do PIB, o ganho sobre 2013 deverá ser de 0,09%. Um avanço, mas também uma regressão, pois a expansão do PIB (este o denominador) é menor do que prevíamos há alguns meses” (Grifos meus).
Investimentos em Infraestrutura de Transporte
De fato, conforme atestam também os números apresentados pela CNT (Confederação Nacional do Transporte em Janeiro deste ano), elaborados com base nas informações geradas pelo Orçamento Fiscal da União e Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais, os investimentos federais, especificamente em infraestrutura de transporte, não têm ocorrido como se exige. Mesmo considerando apenas valores nominais, há uma queda substancial nos últimos anos.
No Brasil não faltam planos, projetos e pesquisas para tornar as operações de cargas mais sustentáveis em termos operacionais e ambientais. Mesmo que discutíveis e sem esgotarem totalmente o assunto, há planos respeitáveis.
No entanto, investimentos anunciados em ferrovias e discursos a favor de mais hidrovias, na maior parte das vezes, ficam apenas no papel. Sabe-se, conceitualmente, que qualquer projeto, plano ou programa, para ser concreto, tem que ter suas viabilidades comprovadas (técnica, política e econômica). E algumas dessas “viabilidades” não estão sendo alcançadas. Isto, na verdade, fortalece a percepção de que falta vontade política para implantá-los e que a própria política econômica brasileira não dá a devida importância na “solução” de alguns dos principais problemas de nossa infraestrutura.
Apenas para que se tenha uma idéia de nossa carência de investimentos em infraestrutura de transportes, o Plano CNT de Transporte e Logística, consolidando 2.045 projetos em todos os modais de transporte, calcula em quase R$ 1 trilhão os recursos necessários. Algo em torno dos 21% do PIB brasileiro! Notícia veiculada dia 13/11/2014 no Brasil Econômico cita a cifra de R$ 660 bilhões como necessária para apagar a lacuna da falta de eficiência logística no país. De qualquer forma, os números demonstram como estamos longe de ter uma infraestrurura adequada.
Na mesma notícia, Jorge Gerdau, empresário e presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, quando comenta esse assunto, enfatiza: “para fechar essa conta não há outra alternativa, senão a melhoria da competência gerencial no setor público”, que, para ele, ainda não evoluiu. Gerdau fez críticas “à incapacidade do governo de atrelar as políticas macroeconômicas ao estabelecimento de metas e estratégias de competitividade, que levem em consideração a avaliação, o direcionamento de ações e o monitoramento dos projetos, bem como a transparência e a prestação de contas à sociedade como um todo”.
Aliás, este parece não ser um problema somente do Brasil, embora aqui seja crítico. Segundo a Agência Estado (publicação “on-line” de 14/11/14), “as 20 maiores economias do mundo costuram um acordo para tentar acelerar a execução de projetos de infraestrutura. A reunião do G-20 que aconteceu em Brisbane, litoral da Austrália, anunciou a criação de uma nova instância chamada de Iniciativa Global de Infraestrutura (GII, na sigla em inglês) para fazer a ponte entre investidores, financiadores e governos. Parte dos participantes do G-20 defende que um problema crescente não é a falta de financiamento e sim a ausência de novos e bons projetos.
O fato é que não sairemos dessa marcha enquanto continuarmos investindo por volta de 0,9% do PIB em infraestrutura de transporte, quando o ideal seriam 4 ou 5 vezes mais. E o pior: sem competência gerencial e com recursos aplicados em projetos independentes, não integrados e, na maioria das vezes, sem conexão alguma, inclusive no que diz respeito à multimodalidade.
Com este pano de fundo, de precária infraestrutura, o Brasil continuará tendo, sem dúvidas, custos logísticos muito altos.
O que fazer?
Considerando que haja de fato, vontade de se investir em infraestrutura de transportes, falta, a nosso ver, uma liderança, e que somente pode ser governamental, para coordenar, com competência gerencial, todos esses projetos e construir uma malha logística totalmente integrada. É nosso entendimento que, por mais que a iniciativa privada se mostre interessada em investir em infraestrutura, é preciso que a autoridade pública lidere esse esforço de conjugar todos os planos, de modo que o mercado possa aproveitar as vantagens de uma logística mais eficiente e em cada modal de transporte. Se já não é fácil, aqui no Brasil, executar investimentos significativos em projetos de infraestrutura em um só modal, mais complexo ainda será tornar real um cenário de multimodalidade. Mas é possível e viável, desde que com coordenação governamental e vontade política.
Do contrário, os investimentos, que já estão com décadas de atraso, continuarão destinados apenas a iniciativas isoladas, em modais sem conexão entre si e sem contribuição efetiva para diminuir o famigerado “Custo Brasil”.
Fica evidente a necessidade de nos preparar para dificuldades de todos os aspectos na implantação dessas estratégias logísticas mais amplas, sejam elas de natureza política, econômica ou social. É preciso tirar do caminho, entraves bastante conhecidos e que frequentam todas as listas de problemas quando se fala em logística: deficiências estruturais, excesso de burocracia, falta de regras e marcos regulatórios, fragmentação dos núcleos de gerenciamento e decisão, desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, politização dos cargos nas agências, ministérios e departamentos técnicos, falta de políticas claras de investimentos, bem como as respectivas garantias exigidas.
Como sugestão, precisamos, inicialmente, definir os papéis institucionais dos diversos órgãos que discutem e “planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país, como única forma de cortar o mal pela raiz, ou seja, de combater os entraves citados, que criam obstáculos desnecessários à modernidade e à efetiva implantação de uma logística integrada e do transporte multimodal.
Diversos trabalhos e artigos têm chamado a atenção para esse problema e sugerido um elenco de recomendações. Infelizmente, pelos motivos aqui já citados, as discussões se arrastam e as decisões não acontecem.
É neste ponto que a falta de uma visão mais integrada e sistêmica tem gerado problemas, pois as discussões ocorrem de forma pontual (verbas para determinada estrada, concessão de tal rodovia, programa de incentivos aos portos, etc.) e não no âmbito de uma política econômica maior, na qual estão inseridas todas as demais decisões. No caso específico, falta essa visão para a logística brasileira. Talvez ela exista nas intenções (criação da EPL – Empresa de Planejamento e Logística, vinculada à Presidência da República) e no papel (PNLT – Plano Nacional de Logística e Transporte, elaborado e desenvolvido pelo Ministério dos Transportes e cooperação do Ministério de Defesa, a partir de 2006), mas precisa ser levada em consideração de forma concreta. Não se sabe, ainda, de quem será a responsabilidade última pela coordenação (e integração) dos investimentos em infraestrutura logística: Ministério dos Transportes, DNIT, EPL, Secretaria dos Portos, Governos Estaduais ou Municipais?
Num prazo mais longo, o crescimento econômico somente poderá ser mantido e sustentado quando as condições econômicas e sociais estimularem investimentos significativos em todos os setores cujas carências mais se apresentam. Mas é preciso priorizar.
E nessa priorização, sem dúvida, além de itens como educação, saúde e segurança, há que se colocar como um dos grandes objetivos a serem alcançados, os investimentos na infraestrutura logística. Mas, diferente de como até agora se fez, é preciso concentrar esses investimentos e aplicá-los de forma coordenada, integrada, concreta e que respeite as regionalidades de um País como o Brasil. Sabemos que a infraestrutura deve ser tratada como prioridade de qualquer governo e que a multimodalidade é um dos caminhos para a competitividade e a verdadeira aceleração do crescimento. Como já exaustivamente comentado, o que precisamos agora, além da imprescindível competência gerencial, é estabelecer um pacto para que essas soluções sejam colocadas em prática sob qualquer governante do momento e sob qualquer circunstância.
É preciso, portanto, mudar a receita e desenvolver e aplicar uma Política Econômica que, de fato, cumpra com os objetivos maiores pelos quais ela existe. Não se pede para abrir mão do que já se conquistou, seja no combate à inflação, na diminuição do desemprego, nem na melhoria do processo de distribuição de renda, mas é preciso “inovar” e sair das armadilhas da “governabilidade e do populismo”. Diminuir gastos públicos e aumentar os níveis de investimento, incluindo a infraestrutura logística é um dos caminhos. Controle e realização efetiva desses investimentos, também devem fazer parte de uma “programação econômica” mais consistente. Somente assim a política econômica estará sendo utilizada em sua essência e a ciência econômica cumprindo o seu papel, isto é, buscando os objetivos que levem um país ao desenvolvimento.
É preciso trabalhar com os diversos modais de transporte e considerá-los como complementares e não como concorrentes. Hora de tratar programas sólidos como um planejamento de Estado e não como mais um plano de governo. Hora de integração entre os diversos atores da cadeia produtiva para que todos ganhem juntos, em vez de cada setor defender somente o seu interesse.
É fundamental que toda a sociedade brasileira insista nisto, pois a falta de investimentos neste setor, ou com investimentos realizados para a consecução de objetivos duvidosos ou sem visão de futuro, continuarão gerando graves problemas para nossa economia, para nossas empresas e mantendo nosso País no atraso.
* Paulo Roberto Guedes – Abril de 2015